Desconfinamento

Acabou o estado de emergência. Começou o estado de calamidade. Isto soa-me ainda pior, mas diz que é mesmo assim.
Estou com probleminhas vários, nenhum grave, na verdade. Mas o primeiro passa pelo facto de este hábito de estar em casa me ser muito confortável. Consigo trabalhar e produzir. Às vezes com um pouco menos de concentração por não estar sozinha, mas safo-me. Gosto de pensar nas refeições e de planear as compras (gosto menos de as desinfectar uma a uma). Gosto de ter conseguido organizar alguns espaços da casa que me incomodavam bastante. Gosto menos de não ter lido uma única página de um só livro. Em compensação tenho um phd avançado em tudo o que seja corona vírus e dependências. Em várias línguas e formatos. Queixo-me muito aos meus novos colegas de sala de trabalho que também se queixam por eu estar sempre a pensar e falar na mesma coisa. Faz-me falta algum sonho, é verdade. Acho que é o que me tem faltado mais: sonho e beleza. Por falar em beleza registo com muita alegria que, apesar dos meus 45 anos e umas nuances desbotadas, não me apareceu um único cabelo branco. Consegui desenrascar-me numa manicure caseira muito básica e reafirmo que a depilação definitiva foi o melhor investimento que fiz na vida.
Penso bastante nos que não têm casa (lá está) nem condições dignas para enfrentarem esta pandemia. Naqueles para quem lavar as mãos não é tão fácil assim e enervo-me quando alguém diz: estamos todos no mesmo barco. Obviamente, não estamos. E por isso, posso queixar-me de algumas miudezas, mas nunca da condição de estar fechada em casa. Ter uma casa para se estar fechado já é um privilégio.

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